Stargate – O Poço Azul de Goiás

Imagem: Álian Rocha - Secretaria Municipal de Turismo

STARGATE – O POÇO AZUL DE GOIÁS

Por: Rogério Menezes

O começo de nossa história no mergulho sempre vem acompanhado de novidades e descobertas sobre a vida marinha, a natureza e, sobretudo nós mesmos, através de achados e experiências incríveis que para sempre levamos na memória. Este novo e intrigante mundo que se descortina quando vestimos pela primeira vez uma mascara de mergulho normalmente se revela na imensidão azul dos oceanos. Desde cedo aprendemos que a terra possui ¾ de água e que a costa brasileira possui uma vasta extensão com mais de oito mil km banhada pelo oceano atlântico. Na maioria dos casos as nossas primeiras experiências de mergulho são feitas no mar, embora, em não raras exceções, muitas pessoas aprendem e realizam seus check-outs em água doce. Na medida em que se preenchem as paginas do log-book, e que se acumulam certificados, fotos e lembranças de trips alucinantes, vão também se ampliando os nossos horizontes. 

 

É então que surgem novas oportunidades de mergulho em lagos, rios, minas e cavernas, que com o devido treinamento e certificação, nos permitem ir além das possibilidades vislumbradas no início. Na empolgante e desafiadora revelação das cavernas alagadas (caves) como uma nova opção para prática de mergulho autônomo aprendemos que estas milenares paisagens subterrâneas abrigam tesouros inestimáveis para humanidade, que estão espalhadas por todo o mundo, e além disso, existe uma enorme comunidade de pessoas de todos os tipos e idades que são adeptas e apaixonadas pelo Cave Diving.
 

Na incessante busca por novas aventuras e possibilidades de mergulho os iniciados nesta modalidade fazem muitas vezes expedições para regiões afastadas do mar e visitam dentre outros, os estados da Bahia, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Goiás. É neste ultimo aonde se abriga a Dolina Stargate – um lugar especial no coração do Brasil de natureza peculiar cercado de muitas histórias e mistérios. A cerca de 40 km do centro da cidade de Niquelândia, um município de Goiás próximo a Serra da Mesa, que possui uma das maiores reservas de níquel do mundo, fica o também conhecido Poço Azul – uma das atrações mais importantes do local. 

Formada pelo desmoronamento do teto de uma caverna, o que os geólogos chamam de “dolina de colapso” é uma espécie de caverna vertical em forma de funil invertido. Dolina é uma palavra de origem Eslovena que significa “pequeno vale”, e é característica de relevos cársticos onde fatores típicos de pré-disposição do terreno como a rocha solúvel com permeabilidade de fraturas, gradientes hidráulicos moderados a altos, e clima com disponibilidade de água favorecem sua formação. A dissolução química de rochas calcárias abaixo da superfície é uma reação que contém a água ácida como agente corrosivo e se dá a partir da retenção do dióxido de carbono presente no solo por meio da água, que reage em contato com o calcário formando bicarbonato de cálcio.

Uma antiga lenda da cidade diz que “a lagoa azul de Niquelândia não tem fim!”, mas, para se ter acesso com sucesso e segurança ao local, que fica numa propriedade particular, é necessário conhecer os guias da região e incluir no planejamento da viagem a contratação de carregadores – “Os Chapas”; para nos auxiliar na árdua tarefa de subir e descer os quase 100 metros inclinados de trilha de gado no meio da vegetação até a beira da água. Durante pouco mais de uma hora de estrada, nossos entusiasmados guias e anfitriões, contam casos e histórias que nos fazem distrair pelo labiríntico caminho em meio aos vastos campos de soja e plantações de eucalipto. Na viagem, aves típicas do cerrado como emas, araras, seriemas, corujas e garças podem ser avistadas e fotografadas. No meio desta paisagem idílica, num pequeno altiplano, envolto pela mata ciliar e com o tamanho aproximado de um campo de futebol surge como um oásis – o lago, aonde animais silvestres se aproximam diariamente para beber água, descansar as sombras das arvores, e desfrutar do que restou daquilo que um dia foi um exuberante bioma. Do outro lado da margem macacos-prego sempre se divertem e fazem algazarra enquanto quebram babaçu para comer sua semente. Com uma água azul da cor do oceano o lago em forma de lua é cercado por imponentes paredões negativos de calcário, que no fundo se inclinam suavemente para baixo do solo formando um teto, revelando um mundo vasto, sem fim e impenetrável. 

As modalidades de mergulho recreativo, técnico e livre podem e são praticadas no Stargate. Para os praticantes do Tec Dive no Brasil o local reúne características que o torna um dos pontos mais desafiadores devido a não menos as dificuldades de logística, acesso à margem, e transporte de equipamentos, mas também, e talvez principalmente, pelo próprio perfil do mergulho. Quer seja de rebreather ou circuito aberto é uma das poucas e raras oportunidades de se testar os seus limites, e quem sabe, poder ir além...
Estima-se que a profundidade da dolina tenha algo em torno de 300 metros, embora até hoje ninguém tenha conseguido atingir o seu fundo. O explorador brasileiro Gil Menezes, segundo fontes confiáveis, detém o recorde do local com a impressionante marca de 270 metros; feito que teria sido realizado próximo ao final da década de 90. 

A prática de mergulho em locais remotos, seja qual for o seu objetivo, demanda uma completa estrutura de recarga para misturas gasosas, disponibilidade de cilindros diversos e outros equipamentos preciosos. Um planejamento bem detalhado para emergências, primeiros socorros e assistência médica de remoção em caso de acidentes é fundamental para segurança da equipe. O mergulhador técnico precisa estar ciente, preparado, e de acordo com os riscos envolvidos neste tipo de mergulho. Os melhores Dive Centers e operadoras especializadas do Brasil fazem expedições regulares ao Stargate e prestam serviços de apoio, logística e treinamento adequado para uma experiência segura e bem sucedida. Tudo isso faz com que o mergulho no Stargate – O Poço Azul de Niquelândia seja uma viagem extraordinária, uma experiência rica e desafiadora em meio a um ambiente único e cercado de mistérios.

 

Créditos:
Artigo originalmente publicado na Revista Deco Stop
Rogério Menezes é instrutor de mergulho técnico, especialista em manutenção de equipamentos e responsável pelo Mares Lab no Brasil.
Imagens: Paulo M. Scaldaferri